Identidade
Era um momento em que todos os amigos próximos e até os parentes deixaram o mundo em comum, todos encontraram seu mundo particular porque no mundo em comum não encontravam seu lugar,confundiam os papeis,perdiam a vez na fila,se arriscavam sem saber o resultado.Em seu mundo particular todos os papeis definidos,com raras surpresas perfeitamente previsíveis.As amigas de Lia se encaixaram bem em seus papeis de boas esposas,mães eficientes,algumas até profissionais competentes.
Outros amigos sabiam todos os dias a hora de acordar e o momento do dia que voltariam para casa. Lia não sabia. O que Lia sabia é que chega uma hora em que cada um tem que escolher qual papel representar. Cada ator tem que construir seu cenário, escolher seu papel e os companheiros de cena que estarão sempre prontos para ajudar caso esqueça suas falas, suas marcações. Mas Lia não tinha ainda um papel e se sentia apenas uma coadjuvante das encenações alheias. E Lia ansiava por construir também o seu mundo particular, sem medos, surpresas ou riscos.
Começou a ensaiar com um belo ator, tudo marcado, sem tocar de sinos, batidas aflitas do coração, a medida certa de afeto, outra de confiança, sem sobressaltos. Tudo perfeitamente equilibrado. Lia então estava feliz imaginando seu futuro papel. Ter uma vida própria, saber o que esperar dela, um lugar para onde voltar todos os dias. Um gesto calculado para cada hora.
Olhava-se no espelho e sabia exatamente quem era para quê e para quem vivia. Antes as horas passavam devagar sem saber o que fazer, onde se encaixar, ou rápido demais com algum imprevisto realmente feliz que devia ser eterno, mas passava. Antes quando se olhava assim no espelho não podia se definir. Essas mãos, o que deviam estar fazendo agora?O que os outros fazem com as mãos?Como todos sabem o que fazer com as mãos, os braços, a vida?Agora eu sei, aparentemente sei fazer o que todos fazem , sentir o que todos sentem desejar o que todos desejam. Por que haveria de querer algo diferente?
E do lado do espelho num tênue fio branco encardido,um frágil ser tecia,desempenhava despreocupadamente sua função no mundo. Em um asseado apartamento, longe da vida animal, uma solitária aranha conhecia seu papel, tecia seu cenário, cumpria o script,mesmo sem nenhum exemplo pra seguir.Daí a pouco ela terá descendentes e eles não precisarão que ninguém lhes mostre o que fazer,como viver.
Lia sentou na cama sem tirar os olhos daquela aranha, pensou em sua vida, em sua busca por ser igual aos outros de sua espécie. Por que tanto sofrimento?Pra que tanta hesitação?Pra acabar igual a uma aranha!Repetir o que todos já fizeram. Isso é a felicidade? Se temos que agir como as aranhas, por que então esse poder de pensar e pensar até não saber mais nem o sentido da própria vida?Por que esse desejo de felicidade, se temos medo de encontrá-la?Por que tantos encantos soltos por aí, se precisamos criar uma bolha pra viver seguros dentro dela?
Lia afundou de vez em sua cama, sem tirar os olhos carregados de lágrimas da aranha. Definitivamente não queria ser uma aranha. Não queria repetir o repetido. Encenar um papel que vem sendo encenado desde que o homem existe na Terra. Teria que continuar sendo Lia, sem nenhum disfarce, com seus medos, riscos, vontades, hesitações, horas e dias sem sentido.
E o que fazer com as mãos, com os gestos sem intenção aparente?Onde colocar as mãos, os braços, onde se colocar inteira quando os outros lhe cobrarem um papel nessa grande tragédia, ou por que não comedia, que é a vida?
Sentiu um sono pesado, um cansaço extremo, desviou o olhar do aracnídeo. Mas estava arrumada pra sair, lembrou que ia sair. Ouviu os passos do noivo no corredor, levantou, olhou o espelho, evitou o animal, enxugou o olhar, foi ao seu encontro. Estava pálida, exausta.
-Aconteceu alguma coisa?
-Tem uma aranha no quarto.
-Teve medo?
-Tive!Não quero mais ficar sozinha lá. Eu não sei quem eu sou quando estou sozinha.
Outros amigos sabiam todos os dias a hora de acordar e o momento do dia que voltariam para casa. Lia não sabia. O que Lia sabia é que chega uma hora em que cada um tem que escolher qual papel representar. Cada ator tem que construir seu cenário, escolher seu papel e os companheiros de cena que estarão sempre prontos para ajudar caso esqueça suas falas, suas marcações. Mas Lia não tinha ainda um papel e se sentia apenas uma coadjuvante das encenações alheias. E Lia ansiava por construir também o seu mundo particular, sem medos, surpresas ou riscos.
Começou a ensaiar com um belo ator, tudo marcado, sem tocar de sinos, batidas aflitas do coração, a medida certa de afeto, outra de confiança, sem sobressaltos. Tudo perfeitamente equilibrado. Lia então estava feliz imaginando seu futuro papel. Ter uma vida própria, saber o que esperar dela, um lugar para onde voltar todos os dias. Um gesto calculado para cada hora.
Olhava-se no espelho e sabia exatamente quem era para quê e para quem vivia. Antes as horas passavam devagar sem saber o que fazer, onde se encaixar, ou rápido demais com algum imprevisto realmente feliz que devia ser eterno, mas passava. Antes quando se olhava assim no espelho não podia se definir. Essas mãos, o que deviam estar fazendo agora?O que os outros fazem com as mãos?Como todos sabem o que fazer com as mãos, os braços, a vida?Agora eu sei, aparentemente sei fazer o que todos fazem , sentir o que todos sentem desejar o que todos desejam. Por que haveria de querer algo diferente?
E do lado do espelho num tênue fio branco encardido,um frágil ser tecia,desempenhava despreocupadamente sua função no mundo. Em um asseado apartamento, longe da vida animal, uma solitária aranha conhecia seu papel, tecia seu cenário, cumpria o script,mesmo sem nenhum exemplo pra seguir.Daí a pouco ela terá descendentes e eles não precisarão que ninguém lhes mostre o que fazer,como viver.
Lia sentou na cama sem tirar os olhos daquela aranha, pensou em sua vida, em sua busca por ser igual aos outros de sua espécie. Por que tanto sofrimento?Pra que tanta hesitação?Pra acabar igual a uma aranha!Repetir o que todos já fizeram. Isso é a felicidade? Se temos que agir como as aranhas, por que então esse poder de pensar e pensar até não saber mais nem o sentido da própria vida?Por que esse desejo de felicidade, se temos medo de encontrá-la?Por que tantos encantos soltos por aí, se precisamos criar uma bolha pra viver seguros dentro dela?
Lia afundou de vez em sua cama, sem tirar os olhos carregados de lágrimas da aranha. Definitivamente não queria ser uma aranha. Não queria repetir o repetido. Encenar um papel que vem sendo encenado desde que o homem existe na Terra. Teria que continuar sendo Lia, sem nenhum disfarce, com seus medos, riscos, vontades, hesitações, horas e dias sem sentido.
E o que fazer com as mãos, com os gestos sem intenção aparente?Onde colocar as mãos, os braços, onde se colocar inteira quando os outros lhe cobrarem um papel nessa grande tragédia, ou por que não comedia, que é a vida?
Sentiu um sono pesado, um cansaço extremo, desviou o olhar do aracnídeo. Mas estava arrumada pra sair, lembrou que ia sair. Ouviu os passos do noivo no corredor, levantou, olhou o espelho, evitou o animal, enxugou o olhar, foi ao seu encontro. Estava pálida, exausta.
-Aconteceu alguma coisa?
-Tem uma aranha no quarto.
-Teve medo?
-Tive!Não quero mais ficar sozinha lá. Eu não sei quem eu sou quando estou sozinha.
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