Pecado Original

  Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
  Será essa, se alguém a escrever,
  A verdadeira história da humanidade.
  O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
  O que não há somos nós, e a verdade está aí.

  Sou quem falhei ser.
  Somos todos quem nos supusemos.
  A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

  Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
  Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

  Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
  Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
  Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

  Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
  Que é de mim, que sou só quem existo?

  Quantos Césares fui!

  Na alma, e com alguma verdade;
  Na imaginação, e com alguma justiça;
  Na inteligência, e com alguma razão —
  Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
  Quantos Césares fui!
  Quantos Césares fui!
  Quantos Césares fui!

Álvaro de Campos

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