Artigo sobre Bichos - Miguel Torga

Alguns artigos do meu antigo e extinto blog Beletrismos ainda são os mais lidos aqui, como são úteis para muitos estudantes de letras, vou tentar postar os que eu nunca me interessei em passar para cá, já que não pretendo mais fazer um blog específico para literatura, mas o Histórias ainda é 90% literatura.

Artigo na íntegra no word

Bichos, um clássico da literatura portuguesa


Andreza Freitas, Anderson Clayton, Marília Fonseca de Oliveira, Daniele Cristina da Silva,

Milena Soares, Tamires Alves, Suelza Suzany Campelo

Resumo


Esse estudo tem como objetivo fazer uma análise da obra Bichos, livro do escritor

português modernista Miguel Torga que apresenta 14 contos mesclando animais e seres

humanos. Baseados em estudos de Massaud Móises, traçaremos as principais

características dos personagens e da narração do autor.

Palavras- chave: Literatura Portuguesa, Miguel Torga, Bichos.

Introdução


Escrito em 1940, Bichos faz parte do momento Presencista do Modernismo, fase em

que os autores transmitiam em suas obras características que tendiam ao individualismo,

mas não um individualismo gratuito e sim uma fuga para a vida junto à natureza. A

Natureza para os presencistas não era aquela bucólica dos árcades, mas uma natureza

real, que proporciona ao homem uma vida de suor e lágrimas, mas sempre repleta da

alegria de estar vivo. É na convivência com a terra que o homem descobre o valor de

todas as formas de vida e aprende a defendê-la, não por questões materiais e sim porque

reconhece a beleza que há nas coisas simples.

Bichos de Miguel Torga


Miguel Torga, pseudônimo literário de Adolfo Correia da Rocha, nasceu em 1907 na

aldeia de São Martinho de Anta, na província de Trás- os – Montes, Localizado no

Nordeste de Portugal.

A escolha do Pseudônimo “Miguel” foi uma homenagem ao escritor espanhol “ Miguel

de Cervantes” autor da famosa obra “ Dom Quixote”. Torga está relacionado a um

arbusto pequeno que fixa suas raízes nas rochas, muito comum em Trás- os – Montes, e

demonstra a ligação autor com a terra.

Em 1920, Torga vem ao Brasil trabalhar na fazendo de seu tio em Minas Gerais. Após

cinco anos retorna pra Portugal.

Miguel Torga participou do grupo inicial da revista “Presença”, publicada em Coimbra

em 1927, que defendia uma literatura viva, livre que se oporia ao academismo da

literatura jornalística:

Em 1927, um grupo de estudantes (José Regio, João Gaspar Simões e

Branquinho da Fonseca) funda, edita e dirige em Coimbra a revista

literária “Presença”. Tendo por subtítulo Folha de Arte e Crítica, o

primeiro número 27 da revista, Branquinho da Fonseca abandona-lhe

a direção, secundado por Miguel Torga (então assinado Adolfo Rocha,

seu verdadeiro nome) e Edmundo de Bettecout que deixaram de

colaborar: na carta que enviaram aos demais diretores da Presença,

datada de 16 de julho de 1930, iniciaram afirmando que a Presença

que se propunha, como folha de arte e crítica, defender o direito que

assiste a cada uma de seguir o seu caminho, começou a contradizer”, e

mais adiante lembram que a “presença concebe mestres e discípulos

com aquela interpretação convencional, em que aos mestres fazem

lições para os que se reputam alunos”. (MOISÉS: 2008, p.361)

Torga, sendo panteísta, tem um sentimento ligado à natureza e ao telurismo – amor a

terra, e estas características são dispostas de maneira significativa em suas obras,

especialmente em “Bichos”, nosso objeto de estudo. Outra característica do autor

presente na obra em questão é a problemática religiosa. Essas características vão ser

tratadas posteriormente.

Segundo MOISÉS: 2010, p.367:

“Miguel Torga é sempre o mesmo homem de pés fincados na

terra transmontada, porque nela espera encontrar a explicação

para a condição humana, imediatamente transformada em sua

mente num problema teológico-existencial, armado ao redor de

indignações-chave, do gênero “quem somos?”.

Bichos é composto por contos, mais especificamente quatorze, e muitas são as

características da sua constituição formal, que atestam esse fato.

Os contos são narrativas breves e geralmente centram-se em um acontecimento ou um

episódio da vida da personagem principal como em “Morgado” em que a narrativa foca

a viagem deste com o seu dono e o fatal encontro de ambos com uma alcateia de lobos.

E mesmo quanto tem que narrar acontecimentos diegéticos ocorridos em longos

períodos como no caso de “Nero”, onde a personagem principal relembra toda sua vida

o autor condensa a narrativa de forma a abranger toda a vida da personagem em poucas

páginas.

O conto é uma narrativa breve; desenrolando uma só incidente

predominante e uma só personagem principal, contém um

assunto cujos detalhes são tão comprimidos e o conjunto do

tratamento tão organizado, que produzem uma só impressão.

(Brander, Matthews apud Goltlib: 1998 pg.60)

A obra apresenta uma característica bastante peculiar, que é a aproximação dos contos

com o texto fabular, Segundo GOTLIB (1995,p.150): “Fábula é uma historia com

personagem, animais, vegetais ou minerais, tem objetivo instrutivo e é muito breve.”

Embora o texto de Torga se aproxime das características da fábula, não se constitui

como uma, pois a instrução não é apresentada de forma direta e esta não é a intenção do

autor.

Os quatorze contos apresentam personagens principais que vivem situações ou

apresentam sentimentos muito ligados a terra e a natureza como, por exemplo, o touro

“Miura” que capturado, levado para longe de sua terra e obrigado a fazer parte de um

espetáculo que acha humilhante, devaneia com a terra natal onera rei e podia ser livre.

Entretanto não é só a ligação com natureza que é o ponto comum entre os contos, há

outros que não podem deixar de ser mencionados. “Bichos” é formado pode contos dos

quais quatro apresentam protagonistas humanos e dez apresentam como figura central

animais. Nesse ponto trava-se uma questão interessante e significativa para a obra, que

seria a utilização da antropomorfização e da zoomorfização, empregadas pelo autor para

a caracterização do perfil psicológico das personagens. Essas características estão

muito presentes na obrar e não são poucos os exemplos que constatam.

O conto “Ramiro”, por exemplo, narra à história de um pastor de ovelhas que depois de

passar vinte anos em Marão, lugar árido e silencioso, ele não consegue usar as palavras

para se expressar por isso assobia:

“Por isso, em vez de fala, usava outra linguagem: um assobio

seco, estridente, instantâneo, que atirava com a mesma violência

à cara dos interlocutores e às reses tresmalhadas. O apito, saído

dos beiços com o ímpeto dum arremesso, entrava nos ouvidos

como um punhal. Quase que fazia sangrar os tímpanos.”

(TORGA: 1940,p.48)

Depreende-se que Ramiro não se expressa como um ser humano, sua forma de

comunicação é mais assemelhada com a dos animais que usam sons para se comunicar.

Mas não é só com o assobio que Ramiro tenta se expressar, apaixonado por Rosa não

sabe manifestar seus sentimentos a não ser pelo olhar. Como podemos observar:

“Quando passava por ela, comia-a com os olhos.

Desgraçadamente, não sabia formular doutra maneira o desejo

que o roía. ”(TORGA: 1940, p. 48)

A zoomorfização esta presente também em “Madalena” e “Senhor Nicolau” que são

personagens planas.

O único conto que tem como personagem principal um humano que não apresenta

características de animais é “Jesus”, sétimo conto do livro que traz a historia de um

menino divinizado, cheio de coragem e inocência, em uma narrativa que faz várias

alusões ao texto Bíblico, caracterizando assim uma intertextualidade.

Essa intertextualidade entre os dois livros que se faz não apenas no conto “Jesus”, mas

no livro como um todo, a começar pelo prefácio iniciado com a seguinte frase: “São

horas de te receber no portaló da minha pequena Arca de Noé” (TORGA 1940, p.3)

A questão religiosa tem seu ápice em “Vicente”, ultimo conto do livro no qual o autor

traz o embate entre a criação e o criador. “Vicente”, o corvo, revolta-se contra Deus,

pois o considera injusto e tirânico. O corvo vence seu instinto de conservação que

considera humilhante. É interessante observar que o ser sem poderes sobrenaturais

consegue a divindade com s sua coragem e força de vontade.

Em Vicente além da questão religiosa, podemos observar um traço que se repetirá com

os demais protagonistas animais: Nero, Morgado, Bambo, Tenório, Cega- Rega,

Ladino, Farrusco e Miura, que é da antropomorfização, em que estes apresentam

pensamentos, emoções e em maior ou menor grau atitudes características dos seres

humanos, como por exemplo, Miura que encurralado e humilhado entrega-se a morte:

“A suprema humilhação de estar ali juntava-se o escárnio de

andar a marrar em sombras. Não. Era preciso ver calmamente.

Que a sua raiva atingisse ao menos o alvo. O espectro doirado lá

estava sempre. Pequenino, com ar de troça, olhava-o como se

olhasse um brinquedo inofensivo.” (TORGA:1940, p 55)

Os contos são todos narrados em terceira pessoa e por meio da onisciência do narrador

os pensamentos e as emoções das personagens nos são desvelados:

Naquela tarde, à hora em que o céu se mostrava mais duro e mais

sinistro, Vicente abriu as asas negras e partiu. Quarenta dias eram já

decorridos desde que, integrado na leva dos escolhidos, dera entrada na

Arca. Mas desde o primeiro instante que todos viram que no seu

espírito não havia paz. Calado e carrancudo, andava de cá para lá

numa agitação contínua, como se aquele grande navio onde o

Senhor guardara a vida fosse um ultraje à criação. (TORGA, :

1983. p.62)

Quanto ao discurso, embora haja a presença do discurso livre em todos os contos e o

discurso indireto esteja presente de forma marcante no conto Jesus. È o discurso

indireto livre que predomina nos contos.

Nas narrativas decorre tanto o tempo cronológico que é aquele em que a historia é

contada em sucessão cronológica, sem retomadas ao passado , que podemos constatar

na maioria dos contos como no caso de Tenório:

“Nascido duma ninhada que a senhora Maria Puga deitou

amorosamente debaixo das asas chocas da Pedrês, em doze de

Janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca,

(...)” (TORGA :1940, p.34)

Há contos em que apresentam traços de tempo psicológicos, por meio de analepses, as

personagens retomam situações vividas por elas, aspecto que percebemos em Morgado:

“À ceia, o patrão, com cara de poucos amigos, recusara-lhe as

festas desta maneira:- Deixa-te lá de brincadeiras e enche-me

esse bandulho, que amanhã de madrugada, nem que chovam

picaretas... Tal e qual. Meteu a viola no saco, claro, e atirou-se

ao penso como pôde. Mas não sentia vontade. Tinha ainda no

estômago os tojos que despontara à tarde no monte, e andava,

sem saber porquê, de coração apertado. Além disso, aqueles

modos do dono até parece que endureciam o feno. A gente

também vive de boas palavras. E, verdade se diga, gostava do

sujeito. Desde que ele, há seis anos, na feira dos vinte e três, o

distinguira no meio dum regimento de azémolas e lhe dera uma

palmada rija na anca, simpatizara com a sua figura atarracada,

vermelha, a respirar saúde e bonomia. (TORGA: 1940, p. 24)

Torga usa uma linguagem própria do Modernismo, linguagem livre, direta, sem

enfeites e rebuscamentos e ao mesmo tempo complexa, pois nem sempre sua narração

é linear.

Considerações Finais


Assim tem –se em Bichos um retrato fiel do aspecto telúrico de Miguel Torga, nessa

obra ele apresenta um pequeno mundo em que homens e animais vivem em comunhão

com a natureza e dividem com ela suas tristezas e alegrias. Para Torga o lugar onde o

homem consegue ser feliz e descobrir sua essência é na natureza. A sociedade oprime o

que há de belo no sentimento humano, como percebe-se em Bambo, todos vivem

alienados, trabalhando o dia inteiro e descansando a noite, sem pensar que há outras

coisas mais importantes para serem vivenciadas.

‘’ Para todos os habitantes de Vilarinho, sem exceção, as noites

eram noites – escuridão apenas. E os dias pior ainda, apesar da

claridade. Ricos e pobres nem no brilho do sol reparavam.

Comiam, bebiam e cavavam leiras, numa resignação de

condenados (...) E a vida, como um fruto, estava cheia de

doçura.Mas fora preciso, para o saber, que Bambo

aparecesse...’’ (Bambo, p16)

Portanto, para Miguel Torga só o convívio com a natureza é capaz de revelar ao homem

sua verdadeira essência. Não é gratuitamente que Tio Arruda é ridicularizado pela

amizade com um sapo em frente à igreja. Torga também critica por meio dessa cena a

religião, ou como as pessoas vivenciam a religião, todas essas convenções que na

verdade não aproximam o homem de Deus, com a leitura dos contos percebe-se como

para o autor Deus está integrado com a natureza, com a terra, fazendo parte dela.

Comentários

  1. Tive que ler nos tempos de estudante...

    Isabel Sá
    http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

    ResponderExcluir

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