Homem invisível – a invisibilidade do negro



Esse livro foi mais um dos que eu não tive tempo de ler na faculdade, mas me toquei pela forma que meus colegas apresentaram um seminário sobre ele, foi diferente, eles estavam envolvidos, emocionados ao falar do enredo e eu sabia que tinha que ler. O personagem principal dessa história nunca revela seu nome. Porque ele é invisível, ou o fizeram acreditar nisso, numa invisibilidade, como uma total falta de importância e uma forma de lutar. Como negro, de origem pobre, ele não é absolutamente ninguém. Logo no começo de sua jornada, ela ainda não sabe disso, aliás, ele nem tem consciência da anormalidade que é os negros não serem ninguém diante dos brancos.
No Sul dos Estados Unidos, não muito tempo depois da escravidão. Ele acha que precisa fazer tudo certo, estudar, ser esforçado, mostrar aos brancos e aos negros poderosos que ele é diferente dos outros negros

Eu era ingênuo. Estando em busca de mim, perguntava a todos, menos a mim mesmo, as perguntas que eu, e só eu, poderia responder.

Esse homem invisível aceitou ser humilhado por muitos homens brancos para conseguir uma bolsa na Escola, ele passa por muitas situações constrangedoras, sempre calmo e de cabeça baixa. Na escola, passa a ter uma grande admiração pelos negros que conquistaram o poder, e assim como eles, pensa em um dia ter um bom cargo e renegar as suas origens.

(...) ele era o exemplo vivo de tudo o que eu almejava ser: influente junto aos homens ricos de todo o país, consultado a respeito de assuntos de interesse da raça, um líder do seu povo, dono não de um, mas de dois Cadillacs, de um bom salário e de uma esposa suave, bonita e de pele mais clara.

Mas mesmo fazendo tudo como mandavam, ele acaba tendo azar, acaba não agradando e sendo expulso. Ainda pensando que é o único culpado por sua falta de sorte, vai para o Norte conseguir emprego para poder voltar à Escola. Logo na chegada, fica deslumbrado com a liberdade que os negros têm de andar entre os brancos, de não precisar ficar em pé ou na parte de trás no ônibus, de poder andar encostado a mulheres brancas.
Um dia, no entanto,ele vê um casal sendo despejado, um casal de idosos negros. Ele não pretende envolver-se com a situação, não quer pensar que aquelas pessoas têm a ver com suas raízes. Observando os móveis do casal, que são jogados na rua, ele vê documentos da época da escravidão, pensa no quanto essas pessoas sofreram. A multidão em volta quer fazer uma rebelião e impedir o despejo, ele tenta se colocar contra isso, sua razão fala para incentivar a ordem, ele foi educado para obedecer e não questionar. Mas algo mais forte controla suas palavras, ele discursa e leva as pessoas a refletirem, como aquelas pessoas chegaram aos mais de 80 anos, trabalharam tanto e não têm absolutamente nada, nem ao menos um teto para morar? É o momento em que ele começa a ter um pouco de consciência, que se os negros estavam naquela situação não era por incapacidade ou incompetência, ou qualquer tipo de inferioridade, mas sim porque havia todo um sistema os impedindo de progredir.

Não me envergonho de meus avôs terem sido escravos. Só me envergonho de um dia ter sentido vergonha disso.

O que um velho escravo podia ter a ver com o conceito de humanidade? Talvez fosse algo que Woodrige tivesse falado em suas aulas de literatura, lá na escola. Eu ainda o via, com toda a nitidez, semi-embriagado com as próprias palavras,cheio de empáfia e exaltação, andando de um lado para o outro na frente do quadro cheio  de citações de Joyce, Yeats e Sean O’Casey; magro e nervoso, com suas passadas irrequietas, como se pisasse numa corda bamba de significados, na qual nenhum de nós ousava se aventurar. Podia ouvi-lo ainda: “ O problema de Stephen, tal como o nosso, não era, na verdade, o de recriar a consciência de sua própria raça, mas o de criar os traços não criados do seu próprio rosto. A nossa tarefa é a de nos tornarmos individuos. A consciência de uma raça é dádiva daqueles indivíduos que sabem ver, avaliar e registrar... É criando a nós mesmos que criamos a raça; e então, para o nosso grande espanto, teremos criado algo muito mais importante: teremos criado uma cultura.
Ele é escolhido para participar de uma organização, fazem-no acreditar que está trabalhando pelos humildes. Faz palestras, atrai multidões para uma causa,  ele é o mais carismático e não entende quando os colegas o barram sob acusações de estar se promovendo com o nome da organização. É afastado do centro das ações e quando volta, está tudo mudado, muitos abandonaram a causa e ele demorar pra juntar as peças do quebra-cabeça. A organização pra ele, pregava a união entre negros e brancos em nome de um bem maior. Enquanto isso, há a presença ameaçadora de Rás, o exortador, uma figura estranha que está sempre a acusar os membros da organização de traidores dos negros e incentivando que negros e brancos não podem estar juntos pela mesma causa.
Nosso protagonista é sacudido pela morte de um dos maiores membros da Confraria, Clifton, assassinado por um policial por vender bonecos na rua. Abandonado pela organização, ele reúne aliados entre os populares para um protesto, mas é duramente censurado pelos líderes. Nesse momento, ele começa a acordar para a realidade, sabendo que o amigo foi assassinado por ser negro e vendo os líderes da confraria se omitindo e abandonando a população que ele havia conquistado e atraído.
- Ele foi morto por ser negro e por ter resistido. Acima de tudo por ser negro.
O irmão Jack franziu o cenho. – Lá vem você de novo, montado no cavalo de batalha da questão racial (...)
- Estou aqui montado na raça que me obrigaram a montar. Quanto aos bonecos, as pessoas sabem que tanto fazia, para os tiras, o Clifton vender aquilo ou partituras. Ou bíblias ou pães. Se ele fosse branco, estaria vivo. Ou então, se tivesse se deixado espezinhar...

O discurso do irmão Jack e outros continua ecoando com outras palavras em quem prefere afirmar que o racismo não existe ou vai parar de existir quando não se falar mais nele e ignorar suas consequências.
Mas nosso Homem Invisível descobre o que ainda hoje é a realidade, ele não pode ser apenas um homem, sendo um homem negro é obrigado a abraçar uma causa, a lutar por uma causa. E que não é sob a liderança de homens brancos que essas causas vão ser defendidas. A Confraria se revela uma armadilha, junto com Rás,ele foi usado para atrair uma multidão de negros para iniciar um conflito racial que só resultaria no derramamento do sangue negro.
Ele tentou de todas as formas, primeiro obedecendo, depois questionando, em seguida subvertendo, tudo pra ver que continuava sendo um ninguém gerando um conflito com o leitor possivelmente inserido em uma sociedade que prega os valores de esforço individual e meritocracia. Talvez nem todos alcancem o lugar que merecem.

Rendido e desiludido, ele aceita que sempre foi movido por ilusões, de ir pra uma faculdade, de tornar-se alguém importante, destacar-se entre os negros, ser útil à humanidade, tudo isso foi-lhe negado, restando apenas a opção da invisibilidade.

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